Entenda o tratamento endovascular de doenças ateromatosas intracranianas
Postado em: 29/05/2024
A doença ateromatosa é uma condição em que o colesterol e o cálcio se acumulam nas paredes das artérias, formando placas que podem dificultar ou até mesmo bloquear completamente o fluxo de sangue.
Esse problema é particularmente perigoso quando ocorre nas artérias que irrigam o cérebro, pois está diretamente relacionado ao risco de um acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI).
Quando diagnostico a doença ateromatosa, o paciente recebe orientações específicas sobre o que precisa ser feito. Essas orientações incluem desde mudanças no estilo de vida até o uso de medicamentos, e em alguns casos, intervenções cirúrgicas.
A decisão sobre qual abordagem utilizar depende de uma série de fatores, como o local da obstrução, o grau de estenose (estreitamento do vaso) e se a doença já apresenta sintomas.
Aqui, gostaria de focar no tratamento endovascular da doença ateromatosa intracraniana, uma abordagem minimamente invasiva que visa desobstruir as artérias afetadas.
Esse procedimento é feito diretamente por dentro das artérias, com o objetivo de remover ou reduzir a placa de ateroma (formada por gordura e cálcio) em artérias localizadas dentro do crânio.
O que é a doença ateromatosa intracraniana?
A doença ateromatosa intracraniana é uma das principais causas de acidente vascular cerebral isquêmico.
Ela pode afetar diferentes artérias no cérebro, como as artérias carótidas internas, artérias cerebrais (anterior, média e posterior), artérias vertebrais intradurais, cerebelares e basilar.
Entre essas, a artéria cerebral média é a mais comumente acometida.
Estudos, como o Ischemic Stroke Subtype Incidence Among Whites, Blacks, and Hispanics, demonstram que há diferenças significativas na frequência da doença ateromatosa entre diferentes populações.
Por exemplo, o AVC relacionado à aterosclerose intracraniana representa cerca de 9% dos AVCs em pacientes brancos, 15% em pacientes hispânicos e 17% em pacientes afro-americanos. Já em populações asiáticas, essa taxa pode chegar a 40%.
Pacientes com obstrução de 50% a 99% de uma artéria cerebral, especialmente quando apresentam sintomas, têm um risco considerável de um AVC recorrente.
Esse risco gira em torno de 12% a 14% em dois anos, e pode chegar a mais de 20% em pacientes com fatores de risco adicionais, como diabetes ou hipertensão.
Anatomia cerebrovascular
A formação de placas ateroscleróticas nas artérias do cérebro ocorre de maneira semelhante ao que acontece em outras partes do corpo, como nas artérias coronárias, que irrigam o coração.
No entanto, o tratamento das artérias cerebrais exige abordagens diferenciadas, principalmente devido à complexidade da anatomia cerebrovascular.
No cérebro, os vasos sanguíneos formam ângulos mais acentuados, e os pacientes mais idosos tendem a ter maior calcificação nas paredes arteriais.
Além disso, as artérias cerebrais têm uma musculatura mais fina, o que torna qualquer procedimento nessas áreas mais delicado e de maior risco.
Essas características fazem com que os procedimentos endovasculares para tratar a ateromatose intracraniana sejam complexos e desafiadores, exigindo um planejamento minucioso e uma execução precisa.
Quando o tratamento endovascular intracraniano é indicado?
O tratamento inicial para a doença ateromatosa intracraniana geralmente envolve a mudança no estilo de vida, associada ao uso de medicamentos, como antitrombóticos, anticoagulantes e antiplaquetários.
Essas medidas são fundamentais para reduzir o risco de progressão da doença e de complicações como o AVC.
Contudo, em alguns casos, mesmo com o tratamento medicamentoso adequado, pode ser necessário intervir diretamente na área de estenose.
O tratamento endovascular é indicado principalmente quando o paciente apresenta sintomas de AVC ou está em alto risco, como aponta o estudo Endovascular Treatment of Intracranial Atherosclerotic Stenosis.
Os métodos endovasculares mais utilizados para tratar a ateromatose intracraniana são a angioplastia percutânea com balão e a angioplastia assistida por stent.
Como é feito o tratamento endovascular?
O tratamento endovascular para desobstruir artérias cerebrais envolve um procedimento conhecido como angioplastia.
Durante a angioplastia, um cateter é inserido em uma artéria da perna (femoral) ou do braço (radial ou braquial) e conduzido até a área onde a placa de ateroma está obstruindo o fluxo sanguíneo.
Através desse cateter, é introduzido um microguia que atravessa a estenose e é posicionado além da área obstruída. Em seguida, um cateter balão é inflado no local da estenose, abrindo a artéria e permitindo que o sangue volte a fluir adequadamente.
Dependendo da situação, também pode ser colocado um stent, uma estrutura metálica que mantém a artéria aberta permanentemente.
Tipos de angioplastia
Existem diferentes formas de realizar a angioplastia intracraniana, e a escolha da técnica depende de vários fatores, como o grau de estenose, o comprimento da área afetada e o tipo de placa de ateroma.
Angioplastia com balão
A angioplastia com balão é uma técnica em que apenas o balão é utilizado para expandir a artéria. Essa técnica é indicada principalmente em áreas onde a placa de ateroma não é calcificada, o que facilita a dilatação da artéria sem a necessidade de um stent.
Angioplastia com stent
Em casos de estenose mais severa ou calcificada, o uso de stent pode ser necessário para garantir que a artéria permaneça aberta. O stent é colocado no local da estenose após a dilatação com balão e permanece ali para evitar que a artéria se feche novamente.
Stents montados em balão
Uma opção é utilizar stents montados em balão, onde o stent é inserido e inflado diretamente no local da obstrução. Essa técnica permite uma adaptação precisa do stent à área afetada, cobrindo apenas a região doente.
Stents autoexpansíveis
Outra técnica é o uso de stents autoexpansíveis, que se adaptam de maneira dinâmica à artéria. Eles exercem maior pressão no centro e menos nas extremidades, minimizando o impacto nas áreas saudáveis da artéria.
Balões e stents revestidos com medicamentos
Em alguns casos, opto por utilizar balões ou stents revestidos com medicamentos, que liberam substâncias diretamente na artéria, ajudando a evitar a reestenose (novo estreitamento). Esses medicamentos, como paclitaxel e sirolimus, impedem a proliferação celular excessiva que pode obstruir novamente o vaso.
Cuidados antes e depois da angioplastia
Antes da angioplastia, o paciente deve ser tratado com dupla antiagregação plaquetária, uma combinação de medicamentos que reduz o risco de formação de coágulos.
Após o procedimento, o paciente é observado em UTI por um curto período para garantir que não haja complicações imediatas.
Se um stent foi implantado, é recomendável que o paciente continue com o tratamento com antiplaquetários por três meses, e em alguns casos, esses medicamentos podem ser prescritos por toda a vida.
Além disso, exames de acompanhamento, como ressonância magnética e doppler transcraniano, podem ser solicitados para monitorar o sucesso do procedimento.
Gestão de riscos
Pacientes com diabetes, síndrome metabólica, obesidade e hipertensão têm maior risco de desenvolver aterosclerose intracraniana.
Esse risco é ainda maior em mulheres e idosos. Embora o tratamento endovascular seja uma excelente opção para muitos pacientes, a prevenção continua sendo o melhor caminho.
Adotar uma alimentação saudável, praticar exercícios físicos regularmente e abandonar o tabagismo são passos essenciais para manter a saúde das artérias e evitar complicações futuras.
Considerações finais
O tratamento da doença ateromatosa intracraniana por meio de angioplastia e stents é uma opção eficaz para restaurar o fluxo sanguíneo no cérebro e prevenir o AVC.
No entanto, é fundamental que o paciente siga todas as orientações médicas, tanto antes quanto depois do procedimento, e adote mudanças de estilo de vida para garantir resultados duradouros.
Dr. Renato Tosello
Neurorradiologista intervencionista, especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem
CRM 133.066
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